SURGE O
DIO
A idéia
de Dio era excelente. O Heavy Metal vivia o seu auge com bandas como Iron
Maiden e Judas Priest fazendo fortunas. Seu grupo teria o talento do
baixista da fase mais consagrada do Rainbow e o baterista que o
acompanhou no Black Sabbath durante os últimos anos. O entrosamento já
existia e Ronnie finalmente poderia explorar sua temática voltada à fantasia
sem interferência alheia nem quedas forçadas para um direcionamento mais
comercial. A banda era sua e ele faria o que quisesse.
Mas ainda
faltava um guitarrista e Ronnie James Dio teve ao seu lado na última década
nada menos do que Ritchie Blackmore e Tony Iommi, pessoas nada fáceis de
substituir. Dio sabia da importância da escolha do músico certo para a nova
banda. Precisaria ser alguém que, além de técnico, conseguisse tocar todas as
músicas antigas do Rainbow e do Black Sabbath sem perdas e ainda
por cima tivesse uma ótima performance de palco.
Ao mesmo
tempo em que escolhia o guitarrista e montava seu novo projeto, Ronnie e sua
esposa Wendy empresariavam outro grupo de Metal, que nunca deu em nada, Rough
Cutt.
O Rough
Cutt não estourou comercialmente, mas deu a Dio dois guitarristas bastante
talentosos. Sobre o segundo, falaremos um pouco mais tarde, mas o primeiro se
chama Jake E. Lee.
Você
provavelmente conhece Jake de seu trabalho com Ozzy Osbourne (perceba
como esse mundo musical é pequeno!) nos clássicos álbuns Bark At The Moon
e The Ultimate Sin, mas o cara também foi a primeira escolha para a
banda solo de Ronnie James Dio antes de ganhar fama ao lado do comedor de
morcegos. Outra curiosidade, é que o Sr. Lee integrou o Ratt (na época
em que era conhecido como Mickey Ratt) antes de se juntar ao Rough Cutt.
Na banda
poser de Los Angeles, Jake participou de algumas demos e da faixa Tell The
World, presente na primeira edição da coletânea Metal Massacre, que
também revelaria o Metallica para o mundo ainda em 1982.
Infelizmente,
a passagem de Jake E. Lee pelo Dio foi curta. Apenas alguns meses e a
ajuda na composição de uma música: Don´t Talk To Strangers. Segundo
depoimentos posteriores, ele saiu da banda por conta própria, porque Ronnie
queria um estilo de guitarra bastante simplificado, que não comprometesse sua
performance, enquanto Jake era um jovem ambicioso, conquistando seu espaço no
mundo da música. E ele conseguiu isso nos anos seguintes ao lado de Ozzy!
A busca
por um guitarrista continuava e a próxima sugestão veio do amigo Jimmy Bain:
enquanto tocava com sua antiga banda, Wild Horses, um grupo de Heavy
Metal bastante interessante havia feito a abertura dos shows deles na Irlanda
em 1981.
A banda
em questão era o Sweet Savage, uma figura importante na história da
música pesada. Se você não sabe de quem se trata, é uma das bandas que Lars
Ulrich do Metallica gostava muito em sua adolescência e acabou
convencendo os amigos a gravar o cover da música Killing Time
anos depois. O guitarrista da banda se chamava Vivian Campbell.
Jimmy
Bain também sugeriu outro nome para Dio: John Sykes, do Tygers Of Pan Tang,
outra banda famosa da N.W.O.B.H.M. (e que pouco depois estaria no Thin
Lizzy). Ronnie ouviu fitas dos dois guitarristas e optou por tentar contato
apenas com o Vivian Campbell.
A banda
rapidamente fez uma ligação telefônica para Vivian, que aceitou fazer o teste
para a vaga. Durante a audição, o músico teve de tocar Man On The Silver
Mountain do Rainbow, além de dar sugestões criativas para as faixas Stand
Up And Shout e Holy Diver, que já estavam prontas naquele momento.
A empatia
entre todos foi imediata e no dia seguinte, agora sim: a banda Dio
estava completa!
HOLY
DIVER
Sem
perder tempo, Vivian, Jimmy e Vinny viajaram para Los Angeles na semana
seguinte para começar os trabalhos em cima do álbum vindouro. Enquanto os
músicos trabalhavam na parte instrumental do que viria a ser o álbum Holy
Diver, Ronnie passou uma semana em uma pequena cidade inglesa chamada
Plint, em um velho castelo medieval, buscando inspiração para o clima e as
letras do novo trabalho
A priori,
Ronnie não pretendia contratar um tecladista e todas as gravações de estúdio
deste instrumento que você ouve em Holy Diver foram feitas pelo próprio
vocalista e por Jimmy Bain, inclusive o fraseado clássico de Rainbow In The
Dark.
Sobre
esta faixa, a história é conhecida: a banda já tinha 90% do álbum completo, mas
ainda sobrava espaço para uma música curta. Brincando em um momento
descontraído no teclado, surgiu a melodia principal e Ronnie resolveu gravar
aquilo apenas para mostrar aos outros como uma piada interna de que sabia
construir um hit pop.
Surpreendentemente,
os demais membros do Dio gostaram do material e começaram a trabalhar em
cima para torná-lo mais pesado contra a vontade do vocalista. Quando percebeu
que algo interessante poderia pintar ali, Ronnie escreveu meio às pressas uma
letra sobre a frustração de ter saído do Black Sabbath e, talvez, um
desejo inconsciente de voltar a fazer parte do Rainbow, daí o título da
canção. Aliás, nota-se ao longo da carreira que Ronnie tem certa fixação por
arco-íris e o termo aparece em vários trabalhos de várias fases de sua
carreira. Voltando ao assunto, é fato: Ronnie James Dio nunca gostou de Rainbow
In The Dark, mas entendeu sua importância com o passar do tempo. Uma
história bastante parecida aconteceu com o clássico Paranoid, do Black
Sabbath.
Outra
música que tem uma história curiosa é Don´t Talk To Strangers. Como já
mencionei, foi a única composição onde Jake E. Lee deu a sua contribuição em
sua curta estadia pela banda, mas Vivian Campbell jura que esta faixa veio de
um trabalho não utilizado pelo Sweet Savage muitos anos antes, o que é
um pouco contraditório. Ficamos, por enquanto, com a versão oficial da
participação de Jake, confirmada por Ronnie em algumas entrevistas.
Sobre a
música Holy Diver, que acabou se tornando o maior clássico do grupo ao
lado de Rainbow In The Dark, a letra é bastante enigmática, mas alguns
dizem se tratar de uma fantasia sobre a história do capeta caindo dos céus para
o inferno como se “libertando de uma escravidão”, ou apenas um conto sobre uma
criatura mitológica que aparece em defesa dos oprimidos e que simbolizaria o
Heavy Metal, como o Electric Eye ou o Painkiller do Judas
Priest.
O álbum Holy
Diver foi lançado em 25 de maio de 1983, pouco mais de meio ano apenas após
a saída de Ronnie do Black Sabbath, e superou todas as expectativas dos
fãs.
A capa
mostra pela primeira vez o mascote Murray, o Eddie do Dio, que
apareceria também nos álbuns The Last In Line e Dream Evil.
Murray aparece acorrentando ou afogando um pobre padre católico que encara o
monstrengo com um ar perplexo e isso nos leva ao próximo tópico.
A
RELIGIÃO DE DIO
Um ponto
bastante polêmico sempre chamou a atenção dos curiosos sobre a vida de Ronnie
James Dio: ao analisarmos as letras de músicas mais focadas na fantasia, não é
possível tirar grandes conclusões sobre qual a religião adotada pelo músico, se
é que ela existia. Afinal, em que Dio acreditava?
Como já
mencionei no primeiro capítulo deste especial, Ronnie cresceu em uma família
estritamente católica, mas parece ter deixado esta fé de lado em algum momento
de sua vida, por isso o grande símbolo do padre envolvido em correntes na capa
do Holy Diver. Era um marco daquela religião ultrapassada sendo superada
por algo maior.
Em
entrevistas dadas nem tanto tempo atrás, na época do lançamento do Magica,
ele questiona a veracidade da Bíblia, por exemplo. Segundo Ronnie: “Eu te conto
uma história, você conta para 15 outras pessoas e, no fim do dia, ela já se
tornou outra coisa. Eu não acredito nisso!” e finaliza citando o exemplo da
lenda do Rei Arthur “é uma história muito bonita e cheia de lições de vida, mas
quem pode realmente garantir que aquilo aconteceu?”.
Dio
continua apontando sua metralhadora para o cristianismo quando perguntado sobre
os evangelhos supostamente escritos pelos apóstolos de Jesus Cristo: “Quem pode
garantir que as coisas escritas atribuídas a Cristo foram realmente ditas por
ele? Quero dizer, algum cara sentou ao lado dele com um gravador ou um caderno
dizendo ‘Com licença, Jesus, a fita acabou, deixa eu trocar o lado’”. Ronnie aponta
o mesmo tipo de problema em outras religiões, como o Budismo por exemplo, e
finaliza dizendo que o que o irrita profundamente são as condições impostas por
esse tipo de pensamento “isso é a verdade e é melhor você acreditar senão vai
para o inferno”.
Até mesmo
pela divulgação do uso dos chifrinhos nos shows de Rock, Ronnie sempre foi
muito perseguido pela ala radical das igrejas, especialmente evangélicas.
Manifestações de mau gosto por parte desse povo xiita foram vistas até mesmo em
seu velório e, claro, como uma pessoa que adotou um estilo de vida bastante
liberal e sem se prender a dogmas, Dio com certeza se sentia incomodado com
esse preconceito e sempre manteve a postura de que o céu e o inferno estão aqui
mesmo na Terra, em como você vive sua vida e nas escolhas que faz.
Em várias
declarações, Dio sempre mostrou acreditar em poderes místicos, energias
positivas e negativas, mas não em uma religião, vida após a morte, juízo final
e coisas assim. Curiosamente, já próximo ao seu falecimento, na noite anterior,
seus familiares (com a aprovação de Wendy) chamaram um padre para uma última
oração ao redor da cama onde o músico estava. Um famoso ritual católico
conhecido como “unção”, dado aos enfermos pouco antes de suas mortes. Se o
pedido foi feito com o consentimento de Ronnie, já são outros quinhentos, mas
não deixa de ser um fato irônico que, justo em seu momento de morte, tenha
recebido uma “benção” de uma religião que tanto criticou ao longo dos anos.
NOVAMENTE
NA ESTRADA
Após o
lançamento do álbum, a banda ensaiou em estúdio alguns meses antes de sair em
turnê. O setlist contava com o Holy Diver quase na íntegra, além de
material do Black Sabbath e do Rainbow. Ronnie desenhou
pessoalmente o palco que usariam nos shows.
O palco
contava com desenhos de montanhas, além de um túnel de luz que seria projetado
apenas em alguns momentos. Ainda era modesto, mas começava uma tradição (e
competição saudável com outras bandas) que Dio seguiria pelo resto dos anos 80:
criar uma atmosfera ideal para a apresentação dos músicos, como se levasse o
público a uma viagem.
Para a
primeira parte da turnê, o Dio contaria com seus queridinhos
empresariados do Rough Cutt (mas que coisa, não?) como banda de
abertura, e pegou emprestado o seu tecladista, Claude Schnell, para ajudá-los
com algumas músicas. Detalhe: Claude não aparecia no palco durante os shows e
tocava os teclados de uma plataforma escondida atrás da cortina.
Se você
achou isso um absurdo, saiba que outras bandas faziam o mesmo com pobres tecladistas,
e algumas fazem até hoje, entre elas o Iron Maiden. Talvez naqueles
loucos anos 80, eles pensassem que não era “true” o suficiente ter um
tecladista no palco com os outros músicos.
A turnê
do Holy Diver passou por EUA, Canadá, Reino Unido, Suécia, Noruega,
Finlândia, Dinamarca, Alemanha, Suíça, Bélgica, Holanda, França, voltou para
mais shows nos EUA e Canadá e finalizou, finalmente, em janeiro de 1984 com uma
apresentação em Hollywood. Nada mal para o primeiro projeto liderado por um
certo baixinho, hein?
Mas é no
segundo álbum que as boas bandas mostram se são apenas projetos ou conseguem se
manter e este será o pontapé inicial...
THE LAST
IN LINE
Após os
sucessos do álbum e turnê de Holy Diver, Dio realmente se empolgou com
sua própria banda e entrou em uma sequência exaustiva de um disco novo por ano,
sempre seguindo o lançamento com uma extensa turnê.
Apesar de
inconcebível nos dias atuais, onde os artistas às vezes levam cinco anos para gravar
um único trabalho (e nem estou mencionando o caso do Chinese Democracy
do Guns que demorou mais de uma década), essa maratona foi bastante
comum no começo da década de 80 com todas as grandes bandas lançando seus
clássicos na sequência e em intervalos curtos. A verdade é que, quando os
músicos estão mesmo inspirados, as boas idéias simplesmente surgem.
Claude
Schnell foi efetivado nos teclados da banda após o bom trabalho nos shows, mas
mesmo assim continuou de castigo “atrás das cortinas” para as apresentações da
turnê vindoura.
Ronnie e
os demais músicos se trancaram no estúdio e escreveram todo o material,
gravaram e produziram em apenas três meses, no primeiro semestre de 1984. A
temática continuaria abordando temas fantasiosos, mas Dio também procurou
trazer alguma variação, enfocando reflexões filosóficas dos tempos de Black
Sabbath. A própria música título, The Last In Line, é um belo
tratado sobre as escolhas que se pode fazer na vida, exatamente aquele ponto de
vista religioso de Ronnie que citei no texto passado.
Outra
música do álbum que chama bastante a atenção por um estilo mais cru e direto é
a clássica We Rock. Talvez uma tentativa de se atingir o público headbanger
que se tornava cada vez mais exigente.
The Last
In Line foi
lançado oficialmente no dia do Rock, em 13 de julho, e recebeu disco de ouro
por 500.000 cópias vendidas em apenas dois meses.
Para
divulgar o trabalho, Ronnie segue apostando na MTV, que vivia seu auge, com
videoclipes criativos e divertidos. O vídeo de The Last In Line, com o
entregador de pizza que vai parar no inferno de borgs (aqueles seres malvados
de Star Trek) e zumbis após pegar o elevador errado, foi exibido
exaustivamente em todo o mundo, inclusive no Brasil em uma época ainda pré-MTV
(a nossa só chegou em 1990).
Uma
curiosidade legal sobre este vídeo é que quem faz o papel do entregador de
pizza (pizza, pão, leite, sei lá...) é Meeno Peluce, irmão da atriz Soleil Moon
Frye, a Punky Brewster da clássica série de TV. O mais bacana é que a
própria Soleil faz uma ponta no vídeo. Tente encontrá-la!
O cenário
da nova turnê, como não poderia deixar de ser, contou com um grande investimento e, desta vez, Ronnie colocou uma
pirâmide no palco (referência à mediana Egypt (The Chains Are On)) e muitos
fogos de artifício. Os shows se concentraram apenas nos EUA, Europa e Canadá e
contaram com aberturas de Dokken, Twisted Sister e Queensrÿche,
encerrando o giro em janeiro de 1985.
SACRED
HEART
Seguindo
o ritmo acelerado, a banda tira alguns meses de férias em fevereiro de 1985 e
entra em estúdio em maio para a gravação do sucessor de The Last In Line,
Sacred Heart. Seguindo a máxima do “em time que está ganhando não se
mexe”, o Dio seguiu exatamente a mesma fórmula utilizada nos álbuns
anteriores, Heavy Metal clássico com temas envolvendo fantasia medieval, magos
e segredos milenares.
O álbum
foi produzido novamente por Ronnie, lançado em agosto de 1985 e logo chamou a
atenção das rádios com três músicas: King Of Rock and Roll, Rock ‘n’
Roll Children e Hungry For Heaven. Todas acabaram se transformando
em singles também e viraram videoclipes de duas maneiras: uma
representação da banda ao vivo com a versão de estúdio da música ou historinhas
onde Ronnie representava um mago, sempre mostrando o caminho da verdade para
algum pobre coitado que foi parar - sem querer - em uma dimensão proibida.
Outro
mistério é a frase em latim que aparece na capa “FINIS PER SOMNIVM REPERIO
TIBI SACRA COR VENEFICVS OSTIVM AVRVM”. Como o texto não traz uma pontuação,
sua interpretação pode ser entendida de várias maneiras. O mais correto seria
algo como “O fim chega pelo sonho. Eu vou te preparar para o coração sagrado, a
mágica que abre o altar”, mas não existe mesmo apenas um sentido e Ronnie nunca
deu uma entrevista esclarecendo o que realmente quis dizer.
Sacred Heart conquistou disco de ouro em outubro de 1985, apenas dois meses após o seu lançamento, exatamente como o disco anterior. Durante muitos anos, foi o último álbum de Ronnie a conseguir tal certificação. Perdeu o posto apenas para uma coletânea lançada 14 anos depois.
Sacred Heart conquistou disco de ouro em outubro de 1985, apenas dois meses após o seu lançamento, exatamente como o disco anterior. Durante muitos anos, foi o último álbum de Ronnie a conseguir tal certificação. Perdeu o posto apenas para uma coletânea lançada 14 anos depois.
Com o
passar dos anos, o trabalho acabou perdendo um pouco de sua importância frente
aos outros lançamentos mais clássicos de Dio. As três músicas que
acabaram virando singles são, de fato, muito legais, mas outras faixas,
como Fallen Angels, não conseguem o mesmo destaque. O álbum ainda é
melhor que muitas coisas que a banda lançaria no futuro, mas já não causa tanto
impacto.
O palco
que seria utilizado na turnê do álbum tinha um castelo medieval e dois
cavaleiros lutando com espadas laser, além de Denzil (antes, Dean, mas sofreu
com a síndrome da mudança súbita de nome), o dragão da capa que durante algum
tempo serviu como mascote oficial do grupo.
Aparentemente,
apenas a construção do palco e todas as papagaiadas custaram algo em torno de
US$ 250 mil. Outra curiosidade é que este foi o segundo maior palco já
preparado por uma banda de Rock, perdendo apenas para o montado pelo Pink
Floyd na turnê do álbum The Wall.
FIM DA QUARTA PARTE
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