quinta-feira, 16 de maio de 2013

Ronnie James Dio - Parte 4





SURGE O DIO

A idéia de Dio era excelente. O Heavy Metal vivia o seu auge com bandas como Iron Maiden e Judas Priest fazendo fortunas. Seu grupo teria o talento do baixista da fase mais consagrada do Rainbow e o baterista que o acompanhou no Black Sabbath durante os últimos anos. O entrosamento já existia e Ronnie finalmente poderia explorar sua temática voltada à fantasia sem interferência alheia nem quedas forçadas para um direcionamento mais comercial. A banda era sua e ele faria o que quisesse.

Mas ainda faltava um guitarrista e Ronnie James Dio teve ao seu lado na última década nada menos do que Ritchie Blackmore e Tony Iommi, pessoas nada fáceis de substituir. Dio sabia da importância da escolha do músico certo para a nova banda. Precisaria ser alguém que, além de técnico, conseguisse tocar todas as músicas antigas do Rainbow e do Black Sabbath sem perdas e ainda por cima tivesse uma ótima performance de palco.

Ao mesmo tempo em que escolhia o guitarrista e montava seu novo projeto, Ronnie e sua esposa Wendy empresariavam outro grupo de Metal, que nunca deu em nada, Rough Cutt.

O Rough Cutt não estourou comercialmente, mas deu a Dio dois guitarristas bastante talentosos. Sobre o segundo, falaremos um pouco mais tarde, mas o primeiro se chama Jake E. Lee.

Você provavelmente conhece Jake de seu trabalho com Ozzy Osbourne (perceba como esse mundo musical é pequeno!) nos clássicos álbuns Bark At The Moon e The Ultimate Sin, mas o cara também foi a primeira escolha para a banda solo de Ronnie James Dio antes de ganhar fama ao lado do comedor de morcegos. Outra curiosidade, é que o Sr. Lee integrou o Ratt (na época em que era conhecido como Mickey Ratt) antes de se juntar ao Rough Cutt.

Na banda poser de Los Angeles, Jake participou de algumas demos e da faixa Tell The World, presente na primeira edição da coletânea Metal Massacre, que também revelaria o Metallica para o mundo ainda em 1982.

Infelizmente, a passagem de Jake E. Lee pelo Dio foi curta. Apenas alguns meses e a ajuda na composição de uma música: Don´t Talk To Strangers. Segundo depoimentos posteriores, ele saiu da banda por conta própria, porque Ronnie queria um estilo de guitarra bastante simplificado, que não comprometesse sua performance, enquanto Jake era um jovem ambicioso, conquistando seu espaço no mundo da música. E ele conseguiu isso nos anos seguintes ao lado de Ozzy!

A busca por um guitarrista continuava e a próxima sugestão veio do amigo Jimmy Bain: enquanto tocava com sua antiga banda, Wild Horses, um grupo de Heavy Metal bastante interessante havia feito a abertura dos shows deles na Irlanda em 1981.

A banda em questão era o Sweet Savage, uma figura importante na história da música pesada. Se você não sabe de quem se trata, é uma das bandas que Lars Ulrich do Metallica gostava muito em sua adolescência e acabou convencendo os amigos a gravar o cover da música Killing Time anos depois. O guitarrista da banda se chamava Vivian Campbell.

Jimmy Bain também sugeriu outro nome para Dio: John Sykes, do Tygers Of Pan Tang, outra banda famosa da N.W.O.B.H.M. (e que pouco depois estaria no Thin Lizzy). Ronnie ouviu fitas dos dois guitarristas e optou por tentar contato apenas com o Vivian Campbell.

A banda rapidamente fez uma ligação telefônica para Vivian, que aceitou fazer o teste para a vaga. Durante a audição, o músico teve de tocar Man On The Silver Mountain do Rainbow, além de dar sugestões criativas para as faixas Stand Up And Shout e Holy Diver, que já estavam prontas naquele momento. A empatia entre todos foi imediata e no dia seguinte, agora sim: a banda Dio estava completa!




HOLY DIVER

Sem perder tempo, Vivian, Jimmy e Vinny viajaram para Los Angeles na semana seguinte para começar os trabalhos em cima do álbum vindouro. Enquanto os músicos trabalhavam na parte instrumental do que viria a ser o álbum Holy Diver, Ronnie passou uma semana em uma pequena cidade inglesa chamada Plint, em um velho castelo medieval, buscando inspiração para o clima e as letras do novo trabalho

A priori, Ronnie não pretendia contratar um tecladista e todas as gravações de estúdio deste instrumento que você ouve em Holy Diver foram feitas pelo próprio vocalista e por Jimmy Bain, inclusive o fraseado clássico de Rainbow In The Dark.

Sobre esta faixa, a história é conhecida: a banda já tinha 90% do álbum completo, mas ainda sobrava espaço para uma música curta. Brincando em um momento descontraído no teclado, surgiu a melodia principal e Ronnie resolveu gravar aquilo apenas para mostrar aos outros como uma piada interna de que sabia construir um hit pop.

Surpreendentemente, os demais membros do Dio gostaram do material e começaram a trabalhar em cima para torná-lo mais pesado contra a vontade do vocalista. Quando percebeu que algo interessante poderia pintar ali, Ronnie escreveu meio às pressas uma letra sobre a frustração de ter saído do Black Sabbath e, talvez, um desejo inconsciente de voltar a fazer parte do Rainbow, daí o título da canção. Aliás, nota-se ao longo da carreira que Ronnie tem certa fixação por arco-íris e o termo aparece em vários trabalhos de várias fases de sua carreira. Voltando ao assunto, é fato: Ronnie James Dio nunca gostou de Rainbow In The Dark, mas entendeu sua importância com o passar do tempo. Uma história bastante parecida aconteceu com o clássico Paranoid, do Black Sabbath.



Outra música que tem uma história curiosa é Don´t Talk To Strangers. Como já mencionei, foi a única composição onde Jake E. Lee deu a sua contribuição em sua curta estadia pela banda, mas Vivian Campbell jura que esta faixa veio de um trabalho não utilizado pelo Sweet Savage muitos anos antes, o que é um pouco contraditório. Ficamos, por enquanto, com a versão oficial da participação de Jake, confirmada por Ronnie em algumas entrevistas.

Sobre a música Holy Diver, que acabou se tornando o maior clássico do grupo ao lado de Rainbow In The Dark, a letra é bastante enigmática, mas alguns dizem se tratar de uma fantasia sobre a história do capeta caindo dos céus para o inferno como se “libertando de uma escravidão”, ou apenas um conto sobre uma criatura mitológica que aparece em defesa dos oprimidos e que simbolizaria o Heavy Metal, como o Electric Eye ou o Painkiller do Judas Priest.

O álbum Holy Diver foi lançado em 25 de maio de 1983, pouco mais de meio ano apenas após a saída de Ronnie do Black Sabbath, e superou todas as expectativas dos fãs.

A capa mostra pela primeira vez o mascote Murray, o Eddie do Dio, que apareceria também nos álbuns The Last In Line e Dream Evil. Murray aparece acorrentando ou afogando um pobre padre católico que encara o monstrengo com um ar perplexo e isso nos leva ao próximo tópico.

 
A RELIGIÃO DE DIO

Um ponto bastante polêmico sempre chamou a atenção dos curiosos sobre a vida de Ronnie James Dio: ao analisarmos as letras de músicas mais focadas na fantasia, não é possível tirar grandes conclusões sobre qual a religião adotada pelo músico, se é que ela existia. Afinal, em que Dio acreditava?

Como já mencionei no primeiro capítulo deste especial, Ronnie cresceu em uma família estritamente católica, mas parece ter deixado esta fé de lado em algum momento de sua vida, por isso o grande símbolo do padre envolvido em correntes na capa do Holy Diver. Era um marco daquela religião ultrapassada sendo superada por algo maior.

Em entrevistas dadas nem tanto tempo atrás, na época do lançamento do Magica, ele questiona a veracidade da Bíblia, por exemplo. Segundo Ronnie: “Eu te conto uma história, você conta para 15 outras pessoas e, no fim do dia, ela já se tornou outra coisa. Eu não acredito nisso!” e finaliza citando o exemplo da lenda do Rei Arthur “é uma história muito bonita e cheia de lições de vida, mas quem pode realmente garantir que aquilo aconteceu?”.

Dio continua apontando sua metralhadora para o cristianismo quando perguntado sobre os evangelhos supostamente escritos pelos apóstolos de Jesus Cristo: “Quem pode garantir que as coisas escritas atribuídas a Cristo foram realmente ditas por ele? Quero dizer, algum cara sentou ao lado dele com um gravador ou um caderno dizendo ‘Com licença, Jesus, a fita acabou, deixa eu trocar o lado’”. Ronnie aponta o mesmo tipo de problema em outras religiões, como o Budismo por exemplo, e finaliza dizendo que o que o irrita profundamente são as condições impostas por esse tipo de pensamento “isso é a verdade e é melhor você acreditar senão vai para o inferno”.

Até mesmo pela divulgação do uso dos chifrinhos nos shows de Rock, Ronnie sempre foi muito perseguido pela ala radical das igrejas, especialmente evangélicas. Manifestações de mau gosto por parte desse povo xiita foram vistas até mesmo em seu velório e, claro, como uma pessoa que adotou um estilo de vida bastante liberal e sem se prender a dogmas, Dio com certeza se sentia incomodado com esse preconceito e sempre manteve a postura de que o céu e o inferno estão aqui mesmo na Terra, em como você vive sua vida e nas escolhas que faz.

Em várias declarações, Dio sempre mostrou acreditar em poderes místicos, energias positivas e negativas, mas não em uma religião, vida após a morte, juízo final e coisas assim. Curiosamente, já próximo ao seu falecimento, na noite anterior, seus familiares (com a aprovação de Wendy) chamaram um padre para uma última oração ao redor da cama onde o músico estava. Um famoso ritual católico conhecido como “unção”, dado aos enfermos pouco antes de suas mortes. Se o pedido foi feito com o consentimento de Ronnie, já são outros quinhentos, mas não deixa de ser um fato irônico que, justo em seu momento de morte, tenha recebido uma “benção” de uma religião que tanto criticou ao longo dos anos.



NOVAMENTE NA ESTRADA

Após o lançamento do álbum, a banda ensaiou em estúdio alguns meses antes de sair em turnê. O setlist contava com o Holy Diver quase na íntegra, além de material do Black Sabbath e do Rainbow. Ronnie desenhou pessoalmente o palco que usariam nos shows.

O palco contava com desenhos de montanhas, além de um túnel de luz que seria projetado apenas em alguns momentos. Ainda era modesto, mas começava uma tradição (e competição saudável com outras bandas) que Dio seguiria pelo resto dos anos 80: criar uma atmosfera ideal para a apresentação dos músicos, como se levasse o público a uma viagem.

Para a primeira parte da turnê, o Dio contaria com seus queridinhos empresariados do Rough Cutt (mas que coisa, não?) como banda de abertura, e pegou emprestado o seu tecladista, Claude Schnell, para ajudá-los com algumas músicas. Detalhe: Claude não aparecia no palco durante os shows e tocava os teclados de uma plataforma escondida atrás da cortina.

Se você achou isso um absurdo, saiba que outras bandas faziam o mesmo com pobres tecladistas, e algumas fazem até hoje, entre elas o Iron Maiden. Talvez naqueles loucos anos 80, eles pensassem que não era “true” o suficiente ter um tecladista no palco com os outros músicos.

A turnê do Holy Diver passou por EUA, Canadá, Reino Unido, Suécia, Noruega, Finlândia, Dinamarca, Alemanha, Suíça, Bélgica, Holanda, França, voltou para mais shows nos EUA e Canadá e finalizou, finalmente, em janeiro de 1984 com uma apresentação em Hollywood. Nada mal para o primeiro projeto liderado por um certo baixinho, hein?

Mas é no segundo álbum que as boas bandas mostram se são apenas projetos ou conseguem se manter e este será o pontapé inicial...




THE LAST IN LINE

Após os sucessos do álbum e turnê de Holy Diver, Dio realmente se empolgou com sua própria banda e entrou em uma sequência exaustiva de um disco novo por ano, sempre seguindo o lançamento com uma extensa turnê.




Apesar de inconcebível nos dias atuais, onde os artistas às vezes levam cinco anos para gravar um único trabalho (e nem estou mencionando o caso do Chinese Democracy do Guns que demorou mais de uma década), essa maratona foi bastante comum no começo da década de 80 com todas as grandes bandas lançando seus clássicos na sequência e em intervalos curtos. A verdade é que, quando os músicos estão mesmo inspirados, as boas idéias simplesmente surgem.

Claude Schnell foi efetivado nos teclados da banda após o bom trabalho nos shows, mas mesmo assim continuou de castigo “atrás das cortinas” para as apresentações da turnê vindoura.

Ronnie e os demais músicos se trancaram no estúdio e escreveram todo o material, gravaram e produziram em apenas três meses, no primeiro semestre de 1984. A temática continuaria abordando temas fantasiosos, mas Dio também procurou trazer alguma variação, enfocando reflexões filosóficas dos tempos de Black Sabbath. A própria música título, The Last In Line, é um belo tratado sobre as escolhas que se pode fazer na vida, exatamente aquele ponto de vista religioso de Ronnie que citei no texto passado.

Outra música do álbum que chama bastante a atenção por um estilo mais cru e direto é a clássica We Rock. Talvez uma tentativa de se atingir o público headbanger que se tornava cada vez mais exigente.

The Last In Line foi lançado oficialmente no dia do Rock, em 13 de julho, e recebeu disco de ouro por 500.000 cópias vendidas em apenas dois meses.

Para divulgar o trabalho, Ronnie segue apostando na MTV, que vivia seu auge, com videoclipes criativos e divertidos. O vídeo de The Last In Line, com o entregador de pizza que vai parar no inferno de borgs (aqueles seres malvados de Star Trek) e zumbis após pegar o elevador errado, foi exibido exaustivamente em todo o mundo, inclusive no Brasil em uma época ainda pré-MTV (a nossa só chegou em 1990).

Uma curiosidade legal sobre este vídeo é que quem faz o papel do entregador de pizza (pizza, pão, leite, sei lá...) é Meeno Peluce, irmão da atriz Soleil Moon Frye, a Punky Brewster da clássica série de TV. O mais bacana é que a própria Soleil faz uma ponta no vídeo. Tente encontrá-la!



O cenário da nova turnê, como não poderia deixar de ser, contou com um grande investimento e, desta vez, Ronnie colocou uma pirâmide no palco (referência à mediana Egypt (The Chains Are On)) e muitos fogos de artifício. Os shows se concentraram apenas nos EUA, Europa e Canadá e contaram com aberturas de Dokken, Twisted Sister e Queensrÿche, encerrando o giro em janeiro de 1985.


SACRED HEART

Seguindo o ritmo acelerado, a banda tira alguns meses de férias em fevereiro de 1985 e entra em estúdio em maio para a gravação do sucessor de The Last In Line, Sacred Heart. Seguindo a máxima do “em time que está ganhando não se mexe”, o Dio seguiu exatamente a mesma fórmula utilizada nos álbuns anteriores, Heavy Metal clássico com temas envolvendo fantasia medieval, magos e segredos milenares.

O álbum foi produzido novamente por Ronnie, lançado em agosto de 1985 e logo chamou a atenção das rádios com três músicas: King Of Rock and Roll, Rock ‘n’ Roll Children e Hungry For Heaven. Todas acabaram se transformando em singles também e viraram videoclipes de duas maneiras: uma representação da banda ao vivo com a versão de estúdio da música ou historinhas onde Ronnie representava um mago, sempre mostrando o caminho da verdade para algum pobre coitado que foi parar - sem querer - em uma dimensão proibida.

Outro mistério é a frase em latim que aparece na capa “FINIS PER SOMNIVM REPERIO TIBI SACRA COR VENEFICVS OSTIVM AVRVM”. Como o texto não traz uma pontuação, sua interpretação pode ser entendida de várias maneiras. O mais correto seria algo como “O fim chega pelo sonho. Eu vou te preparar para o coração sagrado, a mágica que abre o altar”, mas não existe mesmo apenas um sentido e Ronnie nunca deu uma entrevista esclarecendo o que realmente quis dizer.

Sacred Heart conquistou disco de ouro em outubro de 1985, apenas dois meses após o seu lançamento, exatamente como o disco anterior. Durante muitos anos, foi o último álbum de Ronnie a conseguir tal certificação. Perdeu o posto apenas para uma coletânea lançada 14 anos depois.

Com o passar dos anos, o trabalho acabou perdendo um pouco de sua importância frente aos outros lançamentos mais clássicos de Dio. As três músicas que acabaram virando singles são, de fato, muito legais, mas outras faixas, como Fallen Angels, não conseguem o mesmo destaque. O álbum ainda é melhor que muitas coisas que a banda lançaria no futuro, mas já não causa tanto impacto.

O palco que seria utilizado na turnê do álbum tinha um castelo medieval e dois cavaleiros lutando com espadas laser, além de Denzil (antes, Dean, mas sofreu com a síndrome da mudança súbita de nome), o dragão da capa que durante algum tempo serviu como mascote oficial do grupo.

Aparentemente, apenas a construção do palco e todas as papagaiadas custaram algo em torno de US$ 250 mil. Outra curiosidade é que este foi o segundo maior palco já preparado por uma banda de Rock, perdendo apenas para o montado pelo Pink Floyd na turnê do álbum The Wall.

FIM DA QUARTA PARTE

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