BLACK
SABBATH
Em 1979, o Black Sabbath completava uma década de atividades e planejava um ano repleto de comemorações, mas as coisas não iam nada bem para os ingleses. Com o fim de seu primeiro casamento, o vocalista Ozzy Osbourne se afundou nas drogas e não conseguia – sequer – segurar uma única apresentação sem cair duro no palco.
Em 1979, o Black Sabbath completava uma década de atividades e planejava um ano repleto de comemorações, mas as coisas não iam nada bem para os ingleses. Com o fim de seu primeiro casamento, o vocalista Ozzy Osbourne se afundou nas drogas e não conseguia – sequer – segurar uma única apresentação sem cair duro no palco.
Segundo o
próprio Tony, era frustrante ver o Queen de seu amigo Brian May brilhar
com excelentes performances de Freddie Mercury, enquanto o Black Sabbath
cancelava show após show por problemas com o vocalista. Fora isso, a banda
havia se comprometido em lançar um novo álbum naquele ano, após os fiascos de Technical
Ecstasy (1976) e Never Say Die (1978), mas nada havia sido escrito
até então, dadas as condições precárias de Ozzy. Além disso, toda semana o
guitarrista participava de reuniões estressantes com os executivos da gravadora
para dar desculpas esfarrapadas.
Nessa
época, a banda era empresariada por Don Arden, uma das pessoas mais
inescrupulosas que já surgiu no meio musical. Existem histórias de que ele
colocava várias notas de rodapé no contrato, com letras miudinhas e
transformava a vida das bandas e artistas sob sua gestão em um inferno,
inclusive com ameaças físicas.
Com
muitos planos pela frente, Tony, o empresário Don Arden e sua filha e
assistente, Sharon Arden (futura você sabe quem), com o consentimento dos
demais integrantes, demitem Ozzy praticamente ao mesmo tempo em que Ronnie
pediu demissão do Rainbow.
Mesmo
sendo uma decisão unânime, a estrutura da família Black Sabbath ficou
bastante abalada com a saída de Ozzy. O baterista Bill Ward deu diversas
entrevistas onde disse não ter certeza se também continuaria, pois não dava
para imaginar outro vocalista cantando os clássicos da banda. O baixista Geezer
Butler, por outro lado, também estava com problemas de depressão e drogas e
resolveu pedir um tempo para refletir sobre o que faria. Naqueles primeiros
meses de 1979, o único integrante que queria mesmo seguir em frente era Tony
Iommi e Sharon, em uma das maiores ironias da história, sugere “por que não
tentar aquele rapaz baixinho que canta com o Rainbow?”. Outra pessoa que
deu força para esta ligação foi Glenn Hughes, ex-baixista do Deep Purple
e também grande amigo de Tony Iommi e Ronnie James Dio, na época.
Ronnie
acabara de se casar com Wendy Dio quando se mudou para Los Angeles e os
primeiros amigos do casal foram justamente Glenn Hughes e sua primeira esposa,
Karen, em mais uma grande coincidência do destino.
SHARON E
A IRONIA DO DESTINO
Infelizmente
para Tony, ninguém atendeu aquele primeiro telefonema à casa de Dio, mas
novamente o destino entra em ação e os dois se cruzam, em uma coincidência
absurda, no Rainbow Bar & Grill em Los Angeles poucos meses depois.
Esse lugar, aliás, deveria ser tombado como patrimônio histórico da humanidade.
Imagina você, roqueiro dos anos 70, passear por lá um dia qualquer e dar de
cara com Ritchie Blackmore, Ronnie James Dio e Tony Iommi de uma tacada só?
Tony, acompanhado
de Sharon Arden, imediatamente chama Ronnie para conversar em sua mesa e
explica o ocorrido com Ozzy e a atual situação do Black Sabbath.
Ronnie se
identificava bastante com a proposta do Sabbath e já estava
familiarizado com o material há bons anos. Lembre-se: muitas vezes, ele fechou
apresentações do Elf com o cover de War Pigs ainda em 1971.
Neste
primeiro momento, o pensamento de Tony Iommi não era ainda trazer Ronnie James
Dio ao Black Sabbath, até porque ninguém sabia se a banda continuaria. A
ideia seria um projeto, talvez um novo grupo com outro nome (uma das sugestões
era apenas Sabbath) e ambos terminam a noite no palco do Rainbow Bar
tocando algumas músicas e se divertindo.
No dia
seguinte, Tony ligou novamente para Dio e pediu que ele fosse até sua casa em
Beverly Hills, para brincarem um pouco em seu estúdio particular. O guitarrista
mostrou a parte instrumental de uma futura música onde estava trabalhando,
apenas um dedilhado lento seguido de um riff pesado e pergunta “o que você pode
fazer com isso?”. Ronnie pediu um tempinho, saiu da sala e quando voltou, 10
minutos depois, estava com um escopo do que seria Children Of The Sea.
Geezer e Bill Ward chegaram em algum tempo ao local, se apresentaram e ficaram
impressionados com a técnica rápida de composição do vocalista ao ouvirem o
resultado daquela primeira jam.
Enquanto
negociava os valores do contrato de Ronnie com o empresariamento da Arden
Management para o novo projeto, Sharon volta a ter contato com Ozzy e, para
a surpresa de todos, engrena um namoro apaixonado com o ex-vocalista,
enfurecendo seu pai e cortando a relação entre os dois por mais de 20 anos.
Ozzy
passou os seis meses seguintes à sua demissão trancado em um quarto de hotel
bebendo e usando drogas. Quando soube da entrada de Dio no Sabbath,
afundou em uma depressão e passou a se referir à banda como “Geezer e os três
italianos”. Foi Sharon quem o tirou da vida “boêmia” e deu rumo novamente à
carreira solo do vocalista, usando seus conhecimentos e contatos.
SURGE UM
NOVO BLACK SABBATH
Tratando
de negócios agora diretamente com o malvado Don Arden, Tony decide convencer
Bill e Geezer a seguir em frente com o nome Black Sabbath contando com
Ronnie nos vocais, caso contrário, todos teriam de pagar uma grana violenta
como multa por quebra de contrato ao papai de Sharon se a banda acabasse.
Mesmo com
ressalvas, especialmente por parte de Bill, em outubro de 1979 o Black
Sabbath entra em estúdio para a gravação daquele que seria um dos álbuns
mais influentes da história da música pesada: Heaven and Hell.
Não se
sabe ao certo se todo material foi escrito a partir da entrada de Ronnie ou se
Ozzy chegou a participar de alguma coisa antes de sua demissão. Como já
mencionei, a versão oficial é que nada estava pronto até a chegada do novo
vocalista, tirando um ou outro riff.
O clima
na banda durante as gravações não era dos melhores. Geezer também acabava de se
divorciar e começou a faltar nas sessões de estúdio, sendo substituído pelo
antigo baixista do Elf e Rainbow, o amigo de Ronnie, Craig
Gruber.
Craig
alega que muitas das linhas de baixo que foram para o álbum, bem como o
clássico Die Young, são de sua autoria, mas nunca recebeu créditos por
tal e os demais integrantes preferem não opinar a respeito. Apenas Tony, em uma
entrevista, disse que Craig esteve realmente com eles “por um tempinho”. Em
outro depoimento, Geezer Butler jura que tem em sua casa uma antiga fita de
1979 com Ozzy cantando uma versão preliminar do que se tornaria Die Young,
o que confunde ainda mais a história, mas até hoje o tal cassete também nunca
foi divulgado.
Outro que
tocou baixo nas sessões de estúdio para quebrar um galho, foi Geoff Nicholls do
Quartz, onde atuava como guitarrista e tecladista. Geoff, entretanto,
confirma que seu posto como baixista foi provisório até a total recuperação e
retorno de Geezer à banda. No fim das contas, ele acabou assumindo uma bem
sucedida posição como tecladista do Black Sabbath nas gravações e turnês
por mais de 20 anos.
Para
piorar, Don Arden insistia que a banda intercalasse as gravações do novo álbum
com a turnê comemorativa dos 10 anos, mas Tony e os demais rejeitavam a oferta:
Dio teria de ser apresentado aos fãs com um novo trabalho de estúdio e não
jogado na cova dos leões encarando um público furioso pela saída de Ozzy.
RONNIE X
OZZY
O
trabalho no estúdio com Ronnie era bem diferente do que na época com Ozzy. Para
começo de conversa, o baixinho se tornou bastante perfeccionista após sua
convivência com Ritchie Blackmore, enquanto Ozzy sempre foi mais desleixado,
deixando com que os outros tomassem decisões por ele, mas cumprindo bem seu
papel na hora de gravar as linhas vocais.
Entre
1969 e 1978, o principal escritor das letras do Black Sabbath era Geezer
Butler, com um ou outro palpite de Ozzy. Com Ronnie e seu estilo mais
profissional, as coisas eram diferentes. A partir de alguns riffs de Tony
Iommi, ele já vinha com a idéia de algum tema na cabeça e o processo fluía
cercando a idéia da letra, criando mudanças conforme a emoção que se queria
passar. As músicas na fase Dio se tornaram, naturalmente, mais complexas e
difíceis de reproduzir ao vivo.
O novo
estilo de composição, claro, não agradava Geezer, que já não se sentia tão à
vontade para trazer suas idéias e palpitar sobre determinados trechos. Ronnie,
no entanto, entendia que o Black Sabbath nunca havia falado sobre
dragões, castelos e reis, e tentou adaptar ao máximo seu estilo de composição
para o que o fã esperaria de um trabalho dos ingleses.
Bill
Ward, por outro lado, sofria com a ausência de seu melhor amigo Ozzy e
problemas pessoais (sua mãe morreu bem na época em que a banda entrou em
estúdio), e também esteve praticamente ausente em todo o processo criativo, se
afundando na bebida. Em entrevistas recentes, ele confessa que mal se lembra
das gravações no estúdio. Sua memória volta apenas ao período em que a banda já
saiu para excursionar com o disco nas mãos.
Ronnie
também estava se adaptando às mudanças em trabalhar com os novos integrantes,
já de um nome consagrado. Nas palavras do próprio, Ritchie Blackmore, apesar da
genialidade, nunca foi integrante de uma banda e estava sempre mais preocupado
consigo mesmo. Já Tony Iommi é um cara que se preocupa com o bem estar do time
e pensa primeiro no grupo. Esse fator foi fundamental para que, apesar de todos
os problemas, o grupo encontrasse alguma disciplina e conseguisse cumprir o
cronograma estabelecido. Martin Birch (esse é outro que merecia um especial
sobre sua carreira) foi chamado para a produção.
O
lançamento do álbum, em 25 de abril de 1980, foi um sucesso! Apenas na
Inglaterra, terra natal da banda, o Heaven and Hell ganhou disco de
prata em novembro e ouro dois anos depois. Foi o único álbum da banda a
conseguir tal feito! O discão também foi o terceiro mais vendido da história
dos caras (esse número é mundial, ao contrário do disco de ouro, que era apenas
na Inglaterra). Se pensarmos que o clima não estava nada bom com as idas e
vindas de Geezer e Bill e os problemas com Don Arden, o sucesso do álbum foi
uma grande resposta a tudo e todos que duvidavam que o Sabbath poderia,
sim, sobreviver à saída de Ozzy.
Quem
olhava para as paradas de sucesso de 1980 também poderia ter uma surpresa um
pouco confusa. Além do Heaven and Hell, outro disco do Black Sabbath
constava na relação, um tal de Live at Last, que os próprios integrantes
não sabiam de onde tinha vindo. A resposta é lamentável: um ex empresário da
banda, Patrick Meehan, responsável pelos negócios dos ingleses até 1977,
descobriu dois bootlegs de shows gravados em março de 1973 que estavam
em boas condições para um lançamento comercial.
Ainda
querendo tirar mais uma casquinha do nome Black Sabbath e sem o
consentimento dos integrantes, Patrick compilou os bootlegs em um único
volume, produziu o material e lançou o álbum por uma gravadora desconhecida
alardeando tratar-se da última apresentação de Ozzy com a banda, uma mentira
cabeluda que confundiu muita gente durante décadas.
Após
diversos processos judiciais e dores de cabeça, a banda teve acesso ao material
e lançou o disco de maneira oficial em 2002, com o nome de Past Lives.
DIO E OS
CHIFRINHOS
O
primeiro show com Ronnie James Dio nos vocais ocorreu em 17 de abril de 1980,
na Áustria, uma semana antes do lançamento do álbum. A turnê continuou pela
Europa até julho, de onde seguiu para os EUA, ao lado dos americanos do Blue
Öyster Cult na famosa Black & Blue Tour, que durou até novembro,
para depois invadir o Japão, Austrália e fechar o ano com mais algumas datas na
Inglaterra.
Os primeiros shows desta turnê trouxeram uma marca que definiria o Heavy Metal nos próximos anos: os famosos chifrinhos com as mãos.
A história sobre quem inventou os chifrinhos é bastante confusa e cheia de ramificações. Um fato é claro: não foi Ronnie James Dio quem inventou os chifrinhos no meio musical, mas foi quem o popularizou durante sua passagem pelo Black Sabbath.
Os primeiros shows desta turnê trouxeram uma marca que definiria o Heavy Metal nos próximos anos: os famosos chifrinhos com as mãos.
A história sobre quem inventou os chifrinhos é bastante confusa e cheia de ramificações. Um fato é claro: não foi Ronnie James Dio quem inventou os chifrinhos no meio musical, mas foi quem o popularizou durante sua passagem pelo Black Sabbath.
Não se
sabe ao certo quando e onde o gesto foi criado, mas foi provavelmente na Grécia
antiga, pois aparece em algumas pinturas de 2.000 anos atrás, mas existem
relatos de que é usado há muito tempo, especialmente na Europa e, mais
especificamente, Itália (lembre-se de que grande parte da cultura italiana
deriva da grega), como forma de espantar mal olhado. Lá, o mal olhado (ou olho
gordo, depende da região do Brasil onde você vive) tem o nome de malocchio
e os chifrinhos, (corna), seriam a maneira de combatê-lo.
Com o
passar do tempo, o gesto foi “apropriado” por escritores e investigadores do
universo místico e oculto. Durante o fim do século XIX e primeira metade do
século XX, os chifrinhos apareceram em obras de Bram Stoker, Aleister Crowley e
Anton LaVey, o fundador da igreja de Satã.
Entre
bandas, a primeira aparição “pública” foi com John Lennon, no encarte e capa do
álbum Yellow Submarine dos Beatles, lançado em 1969. Na época, no
entanto, o chifrinho não tinha nada a ver com o capeta e o símbolo significaria
a palavra “amor”. Segundo o roadie da banda, Tony Bramwell, John começou
a usar regularmente o gesto após ler algumas obras do ocultista Aleister
Crowley no começo do ano anterior, mas o símbolo realmente significaria um
gesto de amor e carinho. Esse gesto era um pouco diferente da corna
italiana, pois tinha o dedão esticado, ao contrário do que viria a ser
popularizado por Ronnie depois, que mantinha o dedão encolhido.
Ainda em
1969, outra banda norte-americana que seguia os preceitos de Crowley, chamada Coven,
aparecia na capa do álbum Witchcraft fazendo os mesmos gestos. O som
deles nada tinha a ver com Heavy Metal, estava mais para um Jefferson
Airplane, mas a vocalista Jinx Dawson gostava de simular uma sessão de
magia negra no início e final dos shows e os chifrinhos faziam parte do
espetáculo.
A principal
diferença para os shows atuais é que o gesto de Jinx era unilateral, ou seja,
partia apenas da banda para o público, sem o efeito reverso que aconteceria
mais de uma década depois. Apenas como curiosidade, o Coven continua em
atividade e assumiu sua postura satanista, além de fundadores da música gótica,
segundo a própria vocalista em seu Myspace.
Já nos
anos 70, Gene Simmons aparece fazendo o gesto na capa do álbum Love Gun
do Kiss em 1977. No ano anterior, o Sister, banda formada por
Blackie Lawless (que depois estouraria com o W.A.S.P.) e Nikki Sixx (que
ganharia milhões com o Mötley Crüe), usava pentagramas invertidos nos
cenários que montava para seus shows e os integrantes saudavam a platéia com
chifrinhos, na melhor tradição “Coveniana”.
Ronnie,
com certeza, conhecia o trabalho de Aleister Crowley, LaVey e os significados
que poderiam vir com os chifrinhos, mas em todas as entrevistas que deu, sempre
declarou que a principal influência para sua utilização foi a sua avó italiana
e o lance de espantar mal olhado mesmo.
O ponto é
que o vocalista foi inteligente unindo o útil ao agradável: a principal
temática lírica do Black Sabbath sempre envolveu o capeta, guerras e
reflexões depressivas sobre a vida com as quais tanta gente se identifica. O corna,
com sua aparência clara de dois chifrinhos, poderia ser relacionado tanto às
letras obscuras (o símbolo de Lúcifer), quanto uma forma de quebrar a energia
negativa que talvez cercasse o ambiente, caso você acredite nisso.
Vou além,
Ozzy ajudou a popularizar o gesto de paz e amor formado pelos dedos indicadores
e do meio, eternizado na capa do Volume 4, em paralelo com o seu “We
love you all!”. O fato é que a banda precisava de um novo símbolo padrão
com Ronnie e o corna se encaixava perfeitamente na situação. O que
ninguém esperava é que o símbolo se tornasse uma marca registrada do Heavy
Metal em si e se espalhasse como água nos primeiros anos da década de 80.
Se você
pega vídeos de apresentações de bandas em 1982 (repare nesse abaixo do próprio Sabbath),
percebe que o gesto já estava eternizado pela audiência. É como se o público
estivesse esperando algo nesta linha para ser adotado.
O palco
para esta turnê do Black Sabbath também trazia algumas novidades. Entre
elas uma cruz gigante que pegava fogo durante a execução de War Pigs.
Por falar no setlist das apresentações, a banda foi bastante inteligente ao
mesclar material antigo com o novo álbum que vendia bem. O
repertório padrão abria com War Pigs e seguia com Neon Knights, N.I.B,
Lonely is The Word, Sweet Leaf, Children Of The Sea, Black
Sabbath, Heaven and Hell, Iron Man, Sabbath Bloody Sabbath,
Orchid, Die Young, Paranoid e Children Of The Grave.
Um
verdadeiro sonho para qualquer fã atual que deve se lamentar profundamente por
não ter nascido 20 anos antes em um país da Europa para ver esses shows (eu sou
um deles).
FIM DA SEGUNDA PARTE
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