Rat Fink é
a criação mais conhecida do artista e engenheiro mecânico Ed “Big
Daddy” Roth. Figura chave na Kustom Kulture (“cultura da customização”
ou “cultura da personalização”) que transformou a Califórnia na meca dos
hot-rods e outros veículos motorizados durante os anos 60, Roth ficou
famoso tanto como designer de veículos personalizados quanto como
criador de monstros ao mesmo tempo grotescos e simpáticos. Ícone da
contracultura, Rat Fink é um símbolo eterno da livre expressão, uma
válvula através da qual crianças e eternos adolescentes podem extravasar
sua insatisfação com a caretice vigente.
Carros envenenados e monstros irados na contramão da caretice
A
Kustom Kulture nasceu na Califórnia no final dos anos 50 – uma das
primeiras subculturas jovens de que se tem notícia. Sua influência passa
por toda a cultura pop: dos carrões envenenados do hip-hop às canções
adolescentes dos Beach Boys, a Kustom Kulture ajudou a construir o
imaginário jovem contemporâneo. Um dos seus maiores símbolos é o Rat
Fink, personagem de chaveiros, discos, livros, camisetas, miniaturas...
A
Conrad adere à febre mundial e traz para o Brasil Rat Fink e toda a
Kustom Kulture representada por Ed Roth com um livro ilustrado recheado
de histórias e 144 cromos para colecionar. São imagens de hot rods
incríveis, monstros insanos e ilustrações iradas feitas pelo mestre da
contracultura.
Um rato muito simpático
Antes
de tudo, Rat Fink não é um mero camundongo – foi a aversão que Ed “Big
Daddy” Roth tinha pelo meigo Mickey Mouse que o levou a criar um rato de
verdade. Roth, falecido em 2001, foi um dos principais personagens da
Kustom Kulture surgida na Califórnia no final da década de 1950.
Camisetas,
chaveiros, color books, adesivos, cadernos, anéis, bolas de câmbio,
brinquedos metálicos, caixas de correios, canetas, card games, posteres,
transfers, iô-iô, isqueiro Zippo, latas de lixo, luminárias, esculturas
de neon, carros de autorama – Rat Fink e seus irmãos monstruosos
conquistaram gerações inteiras, das crianças hipnotizadas pelos
grotescos desenhos de Roth e seus asseclas aos marmanjos fascinados com
os carros e motos radicalmente modificados.
Kustom Kulture
Não
é um erro de digitação: ao invés de Custom Culture (“cultura da
personalização”, ou “cultura da customização”, referindo-se a veículos
motorizados modificados pelos seus donos para serem únicos,
personalizados) aquela turma da Califórnia utilizava um “k” na frente de
cada palavra da expressão – o recado era simples, até a expressão
Kustom Kulture seria personalizada. A primeira tentativa da mídia de
explicar um dos primeiros movimentos jovens (que depois integraria a
contracultura) veio a ser também um capítulo único na história do
jornalismo – a criação do New Journalism.
Se
hoje vemos programas e mais programas de televisão sobre a modificação
de veículos e carros “tunados”, devemos tudo à Kustom Kulture. Parcela
decisiva da contracultura sessentista, os ícones criados pelos
entusiastas da Kustom Kulture fazem parte do inconsciente coletivo,
representando juventude e rebeldia por toda a cultura pop: tatuagens com
chamas em degradé, bonés Von Dutch, bolas de bilhar, canções dos Beach
Boys sobre praia, carros e garotas; dados de seis faces, cartas de
baralho, tênis quadriculados, pin-ups roqueiras, pranchas de surfe
coloridas, motores aparentes, monstros grotescos, máquinas barulhentas
acompanhando guitarras ensurdecedoras – para onde você olhar pode
encontrar um símbolo dessa vida em alta velocidade, dialogando com
rockers, motoqueiros, surfistas e skatistas, topetudos e cabeludos,
todos fascinados por um estilo próprio, uma cultura eternamente jovem e
imensamente mais interessante que o mundo adulto – a Kustom Kulture é o
verdadeiro espírito do rock’n’roll.
A Descoberta de Tom Wolfe
O jornalista Tom Wolfe, longe ainda de ser o escritor do best-seller A Fogueira das Vaidades,
foi enviado à Califórnia em 1963 pela revista Esquire para escrever uma
reportagem sobre um bando de jovens que começavam a fazer bastante
barulho com o ronco dos motores de seus carros e motos modificados.
Impressionado com o estilo de vida e com as criações de Ed Roth, Von
Dutch e seus companheiros, Wolfe voltou para Nova York aturdido – não
sabia como transformar todo aquele espírito inovador numa matéria
jornalística comum.
Depois
de semanas lutando para criar um artigo “aceitável” a partir do
material reunido durante a viagem, o prazo de Wolfe acabou, e o editor
Byron Dobell, preocupado com o deadline, pediu para que o jornalista
enviasse uma parte do material pesquisado para pudessem tentar, juntos,
transformá-lo em uma matéria. Wolfe então escreveu uma longa carta,
começando com “Dear Byron” (“Querido Byron”) e que trazia uma série de
impressões e sensações, descrições em primeira e terceira pessoa, como
se Wolfe tivesse entrado na cabeça de seus entrevistados e de lá saísse
com um conto incrível sobre esses rapazes mais incríveis ainda.
A
redação da Esquire ligou para Wolfe (que já estava esperando ser
demitido) para avisar: iriam apenas tirar o “Dear Byron” do começo da
carta e publicariam o material na íntegra, sob o título de "There Goes
(Varoom! Varoom!) That Kandy-Kolored (Thphhhhhh!) Tangerine-Flake
Streamline Baby (Rahghhh!) Around the Bend (Brummmmmmmmmmmmmmm)..." (e
que depois viraria o título da primeira compilação de textos de Wolfe,
encurtado para The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby). Ali
nascia o New Journalism, que revolucionaria, durante o resto dos anos
60, as redações ao redor dos EUA e do mundo.
“Roth é muito habilidoso com o aerógrafo, e um dia, numa exposição de
carros ele teve a idéia de desenhar um cartum grotesco na camiseta de um
garoto, e aí começaram as camisetas Weirdo. A típica camiseta Weirdo
segue um padrão de desenho que poderia ser chamado de ‘versão Bosch da
revista Mad’, procurando ser o mais grotesco possível, mostrando um cara
que parece o Frankenstein, com o queixo quadradão movido a vapor e tudo
o mais, com um sorriso bizarro no rosto, dirigindo um hot-rod, e
normalmente ele carrega um objeto redondo na mão direita, do lado de
fora do veículo, que parece ser ligado ao chassi por uma corda. Isto,
parece, é o câmbio. Não parece um câmbio para mim, mas todo adolescente
sabe imediatamente o que é.
(...)“Essas
camisetas sempre tem uma frase escrita com letras enormes, normalmente
algo rebelde ou pelo menos alienado, coisas como ‘A MÃE ESTÁ ERRADA’ e
‘NASCIDO PARA PERDER’.
“‘Um adolescente sempre tem ressentimento da autoridade adulta’, me
disse Roth. ‘Essas camisetas são como uma tatuagem, com a diferença de
que eles podem tirar tal tatuagem na hora em que enjoarem dela”. Tom
Wolfe em The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby
Ed “Big Daddy” Roth
Sabe
a fibra de vidro, esse material leve e resistente que é usado em quase
todos os carros personalizados hoje em dia? Em 1958 ela era usada
principalmente na construção civil e em pranchas de surfe, até que Ed
Roth (também conhecido como “Mr. Gasser”) resolveu utilizar o material
no seu hot-rod – e todo mundo seguiu a sua idéia. Um homem
“renascentista”, Roth era habilidoso em inúmeras áreas: por exemplo,
além de desenhista e construtor de carros (pioneiro no design de
veículos de baixo consumo), cantava com o grupo The Weirdos sob o
codinome de Mr. Gasser, que lançou álbuns como Surfink e Rods n’Ratfinks pela gravadora Capitol.
Durante
os anos 60, seu estúdio foi casa dos maiores designers da
contracultura: no auge, 25 artistas trabalhavam lá simultaneamente. No
final daquela década Roth foi acusado de ser má influência para a
juventude e de ter ligações com a violenta gangue de motoqueiros Hell´s
Angels. Desiludido depois de um roubo que dizimou seu estúdio em 1970,
resolveu acabar com o negócio. Com um emprego fixo como ilustrador de
cartazes, chegou a rever algumas de suas obras, retirando qualquer
referência violenta presente em seus desenhos.
Porém,
a gasolina corre no sangue e a ferrugem nunca dorme, e dez anos depois,
convencido de que seu talento era um dom de Deus, Roth voltou a
desenhar seus hot-rods e seus monstros, dividindo o tempo entre a
família, a igreja e a sua arte – desenhando inclusive a capa de um dos
clássicos góticos, o álbum Junk Yard dos australianos Birthday Party. Quando morreu, em 4 de abril de 2001, trabalhava em mais um modelo de hot-rod personalizado.
Quadrinhos Movidos a Gasolina
Robert
Williams, um dos criadores da revista Zap Comix – a bíblia fundadora do
quadrinho underground norte-americano – chegou a Los Angeles sem um
tostão no bolso em 1963. Estava interessado especialmente na cultura de
hot-rod, que se espalhava pelos EUA mas que mantinha a Califórnia como
centro nervoso, de onde saíam os principais talentos desse meio. Depois
de meses sem arranjar emprego, Williams viu-se diante de uma
oportunidade única, como conta o prefácio do livro Zap Comix:
“O
gerente da agência de empregos apareceu com uma vaga de desenhista, mas
já avisando que todos os candidatos anteriores tinham desistido depois
de ver o lugar: ‘Dizem que é muito sujo, as condições não são boas’. Mas
Robert Williams precisava de alguma coisa. ‘O que é?’ ‘Bom, estão
precisando de um diretor de arte na empresa desse tal de Big Daddy.’
‘Espera um pouco, o nome de sujeito é Ed Roth?’ Sim, era Ed ‘Big Daddy’
Roth.
(...)
“O
entendimento entre Roth e Williams foi imediato. ‘Se eu soubesse que
você existia’, disse Roth, ‘teria mandado alguém caçá-lo pra mim’. O
estúdio de Roth erro o próprio zôo da paixão americana por automóvel
transformada em descarada perversão e o ponto de encontro das diversas
subculturas de Los Angeles. Era freqüentado por astros da surf music,
hell´s angels, produtores de Hollywood, líderes do movimento negro,
traficantes de drogas e até gente como Erich Maria Remarque (autor do
clássico do pacifismo Nada de Novo no Front). E também por agentes do
FBI, de olho em Roth e mesmo em Williams, que, além de ser fugitivo do
alistamento militar, era visto com freqüência em reuniões de grupos de
esquerda.
“O
trabalho de Williams era fazer os anúncios de Big Daddy (tão alucinados
que começaram a ser vetados pelas revistas automobilísticas) e cuidar
de outras duas fontes de renda: as camisetas, pranchas, bonés com
estampas de monstros motorizados, como o Rat Fink, e os gibis-catálogos
do Big Daddy. Esses gibis, que também tiveram a participação de Rick
Griffin (outro fundador da Zap Comix), foram uma das bases dos
quadrinhos underground”.
Hot Rock’n´Roll
Os hot-rods da Kustom Kulture influenciaram toda uma geração de músicos
californianos que, se não foram os primeiros a cantar a vida sobre
quatro rodas (o primeiro hino roqueiro sobre automotivos foi
“Maybelline”, de Chuck Berry), foram aqueles que mais nutriram paixão
pela velocidade e os motores roncando. Enquanto a dupla Jan & Dean
cantava os perigos da “Dead Man´s Curve”, os Beach Boys praticamente
inventavam o álbum conceitual reunindo em “Little Deuce Coupe” todas as
suas canções sobre carros e a adrenalina com cheiro de gasolina, como a
faixa-título, “409” e “Custom Machine’.
Outra
turma da Califórnia, influenciada pela surf music instrumental de Dick
Dale, resolveu fazer sua homenagem aos motores de alta octanagem –
criando um gênero de rock chamado Hot Rod, misturando guitarras
envenenadas com o som de motores idem, mistura experimentada por bandas
obscuras como The Hondells, The Rip Chords e Mustangs. Nos anos 80 e 90,
o gênero teve um revival no underground, com bandas como The Apemen,
Mono Men, Satan´s Piligrims e Impala. E o Rat Fink foi homenageado pela
banda punk norte-americana Misfits com a canção “Rat Fink”, lançada em
single em 1979.
A Febre chega ao Brasil
A
Conrad traz a febre Rat Fink ao Brasil na forma de um livro ilustrado,
recheado de informações e histórias sobre Ed Roth e o Rat Fink, e de 144
cromos colecionáveis com imagens de hot-rods, choppers, brinquedos,
pinturas de monstros nas mais variadas técnicas (do aerógrafo ao
“pinstriping”, da aquarela ao silk screen), retratando o gênio de Roth e
o brilho de uma era que nunca chega ao fim, onde os monstros são tão
radicais quanto suas máquinas envenenadas – e o verão nunca chega ao
fim. O livro ilustrado tem 24 páginas e custa R$ 3,90, enquanto o
envelope com 4 figurinhas custa R$ 0,60
No
Brasil, a empresa representante do "The Ed Roth Estate" – que licencia o
uso das imagens e merchandising dos trabalhos e criações do Ed "Big
Daddy" Roth – é a Óbvio!, (http://www.obvio.ind.br),
indústria brasileira de automóveis urbanos de alta performance com
fontes de energia alternativa, e principal parceira da Conrad nesse
projeto.
Em 2006 foi lançado nos EUA o documentário Tales Of Rat Fink,
contando a história de Roth e de sua mais famosa criação. O
documentário conta com os depoimentos ilustres de gente como Tom Wolfe,
Brian Wilson (Beach Boys), Matt Groening (criador dos Simpsons) e do
apresentador Jay Leno. Siga o link abaixo para ver o trailer do filme.
Fonte: Almanaque do Automovel
Psicigrafado por Schwanz
Psicigrafado por Schwanz
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